quarta-feira, 6 de março de 2013

O Desenvolvimento - parte II


Se, por um lado, existe uma grande população sem massa crítica suficiente para fazer a diferença, que vive desinformada e, modo geral, desinteressada da actualidade, não aprofundando temas nem compreendendo a sua essência, do outro lado, temos elites socioculturais bem educadas, bem informadas, capazes de traduzir a informação em conhecimento e, por isso, de diagnosticar a situação. Capazes até de encontrar soluções lógicas, realistas, possíveis e aplicáveis para o estado das coisas, mas que pouco fazem. Na maior parte dos casos, não encontram expressão válida para as suas ideias no sistema político vigente. Têm a perfeita consciência da quase impossibilidade de romper através do partidarismo e da tecnocracia do domínio financeiro. Alguns sujeitam-se – pois se não os consegues vencer… - e chamam-lhes “independentes”. A ironia dessa independência…

Muitas destas elites não estão sequer para se aborrecer. Têm o seu emprego, a sua vida. A cultura, para eles, não será tanto um modo de expressão social mas mais um refúgio mental, uma forma de hedonismo.

Sem generalizar, temos uma definição de diferenciações populacionais que se encontra bem patente no efeito de homogeneização dos manifestantes. Em todas as manifestações que tive a oportunidade de ir, não vi os habitantes dos bairros sociais, os beneficiários do RSI, os operários e agricultores, os pobres reformados… em suma, os que mais prejuízo absoluto têm com as políticas da austeridade. Também – salvo aquele abjecto grupo de aposentados ricos que devia ter tido vergonha  – não vi, logicamente, as classes abastadas. O que vi foi muita classe média e média-baixa, gente informada e ideologicamente de esquerda moderada a radical, muitos funcionários públicos e muitos jovens desempregados. Para mim, isto demonstra que a informação, que chega a todos, ou não chega nas melhores condições ou, mais provavelmente, não é interpretada da mesma forma. Ou então, que os limites de tolerância são diferentes entre as classes. Os desfavorecidos estão habituados a aguentar, aguentar. Creio que, no dia em que as classes em privação socioeconómica deixarem de aguentar, aguentar e saírem à rua, não vai haver governo que aguente.

Voltando ao tema central, o que é que nos afasta, então, do desenvolvimento? Na minha opinião, um conjunto de coisas essenciais, entre as quais destaco a educação e o sistema político e a lógica de interdependência entre eles no âmbito democrático.

Em Portugal, a educação sempre foi uma enorme confusão. Com a devida relativização histórica, creio que El-Rei D. Diniz terá feito mais pela educação que 38 anos de Democracia. Houve uma transição muito trapalhona entre o paradigma da “instrução” do Estado Novo, que era uma tremenda aberração de conceito, em que criancinhas nas serranias transmontanas tinham que decorar as linhas dos caminhos-de-ferro em Angola sem nunca terem visto um comboio, e a “escola para todos” do pós-25 de Abril, em que, de repente, um sistema educativo arcaico, subdimensionado e com falta de recursos materiais e, principalmente, humanos, teve que acolher toda a população em idade escolar e apresentar resultados. Para ser justo, estes resultados foram quase milagrosos, pois passámos de um país com uma enorme taxa de analfabetismo para outro completamente diferente num curtíssimo espaço de tempo. Mas isto é apenas quantitativo. Em termos qualitativos, o nosso sistema educativo é uma manta de retalhos feita de reformas atabalhoadas, sem tempo para validar, praticar e avaliar as emanações teóricas de didactas e pedagogos de gabinete, que criam que professores inventados a partir de engenheiros e arquitectos iriam estar preparados para colocar em acção as suas ideias peregrinas. Depois, no ensino público, os recursos humanos tronaram-se um protectorado sindical demasiado poderoso para que houvesse uma real capacidade de mudança. Vejamos a polémica avaliação de professores, que é, em conceito, uma necessidade vital para garantir a qualidade do ensino, mas que se tornou num braço de ferro entre gente demasiado teimosa para fazer qualquer tipo de cedência de parte a parte. A então ministra da educação queria o 80, os sindicatos queriam o 8, e não houve vontade de encontrar um meio- termo. A ministra não entendeu que aquele modelo de avaliação iria acabar com um dos poucos factores de união que existem entre a classe docente, que é a inexistência de relações hierárquicas. Os sindicatos não perceberam que a avaliação poderia ser um factor de qualidade de ensino e de promoção de educação.

Mais uma vez, sem generalizar, eu que já la estive, conheci professores excelentes, capazes de fazer aquilo que é o essencial – criar espírito crítico, relacionando o contexto curricular com o quotidiano e potenciando, assim, a educação para a democracia e para a vida em sociedade. Também conheci verdadeiros colectores de salário, que treparam sem mérito numa carreira criada por eles e para eles, e que nada educavam. Estes são os protegidos dos sindicatos. Não os contratados nem os desempregados. Aliás, o que são os sindicalistas da educação senão professores que não sabem ensinar nem educar?

Não iria ficar em paz comigo mesmo se não dedicasse um parágrafo às Novas Oportunidades, que na intenção e filosofia eram uma iniciativa louvável e no design um programa muito bem concebido, mas que na aplicabilidade deixou muito a desejar. Não houve – principalmente nas escolas públicas – uma formação e consciencialização adequadas dos formadores e professores. Talvez fruto disso, a opinião pública colou-lhe rótulos facilitistas, muito bem aproveitados pela oposição de então, que hoje é governo e legitima valores facilitistas aos seus próprios membros. As NO não resultaram por causa da incompetência e impreparação de quem ficou incumbido de as aplicar, e não porque fosse um mau programa.

De tudo isto, resulta que, em Portugal, nunca se educou para a Democracia mas apenas para objectivos intermédios completamente descontextualizados da realidade.

Quanto ao sistema político, as complicações são imensas. Este sistema não tem praticamente nenhuma representatividade democrática, portanto não tem legitimidade. É um sistema hipócrita, anacrónico e pernicioso, que manipula o pouco eleitorado que tem, servindo-se – lá está – da sua falta de educação para a Democracia.

Hipócrita porque os eleitos e nomeados para cargos políticos não têm, na sua maioria, consciência de qualquer linha ideológica que eventualmente sirva de base ou fachada para o partido a que pertencem. Qualquer indivíduo elegível devia ser sujeito a intensiva formação em história e filosofia políticas. E, assim sendo, mesmo depois de conhecedor, se continuasse filiado num dado partido, certamente deixaria de ser hipócrita ou, na melhor das hipóteses, ignorante, passando a mentiroso descarado. Não há muitas coisas piores do que agitar uma bandeira na qual não se acredita.

Senão, vejamos: existe algo de social-democrata na história ou na actualidade do PPD/PSD? Saberão eles o que é a social-democracia? Praticam-na? Pelo que os governos  compostos por este partido têm demonstrado, a resposta é “não”! Existe, sim, nas suas políticas, um claro domínio tecnocrata e financeiro, e de social-democracia pouco ou nada.

E de socialista no PS? Nem vale a pena discutir. Nunca houve, não há, nem haverá nada de verdadeiramente socialista no Partido Socialista.

Algum deputado do PP saberá, eventualmente, que “popular” vem de “povo”, e que o conceito de “povo” é tão difuso e ambíguo que nem sequer cabe nas sociedades actuais? E, sendo ao mesmo tempo, CDS, ou seja, democratas-cristãos, professam verdadeiramente os valores do cristianismo ou apenas de catolicismo bafiento de sacristia? Mesmo que se digam “centristas”, não estão eles numa direita conservadora, do mais essencial que existe em termos de direita? Não há partido com mais problemas de identidade aparente que o CDS/PP.

Mas ainda não acabei! Será que os deputados do PCP acreditam mesmo que o marxismo-leninismo ainda pode fazer sentido na sociedade actual, ou que ainda existe proletariado? E terão consciência que perderam os seus melhores ideólogos por nunca terem aceitado uma renovação?

E o Bloco de Esquerda, em que esquerda está? Que facções internas dominam? Existe ainda um conjunto de partidos de extrema-esquerda que puxam cada um para seu lado, ou realmente, o PSR impôs a sua corrente trotskista? E se assim for, saberão todos os bloquistas quem foi Trotsky?

É um sistema político anacrónico, pois todas estas linhas ideológicas de fachada remontam ao final do séc. XIX e princípio do séc. XX. É preciso dizer mais alguma coisa? 

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