domingo, 21 de novembro de 2010

A Macaca Peculiar - parte IV

O prazer sexual é talvez a característica mais comum entre homem e mulher, no âmbito das estratégias reprodutivas. A evolução do prazer sexual está ligada, necessariamente, à necessidade que a mulher tem de garantir um bom angariador de recursos e prestador de cuidados por perto, pois é mais um daqueles factores que incentiva a cópula, mesmo que não seja por razões reprodutivas. Por si só, o prazer sexual justifica a cópula, mas é muito conveniente à mulher, pois assim garante que o homem continue a tentar fertilizar o ovócito, pois desconhece o momento certo para o fazer.

Por esta altura, o leitor já deve estar mais que chocado com toda esta perspectiva meramente evolutiva do sexo. Claro que o prazer sexual, como todos os comportamentos sexuais humanos, tem que ser compreendido no âmbito da sexualidade, que os integra num vasto conjunto de interacções afectivas, emotivas, sensoriais, mentais, e de determinantes culturais e sociais. Não sou fundamentalista ao ponto de dizer que a sexualidade se esgota na reprodução. Antes pelo contrário, ultrapassa-a, e de que maneira. Isto já tinha começado a ser esclarecido no artigo "O Macaco Gay - parte I", quando descrevi o comportamento sexual do bonobo (Pan paniscus), tendo ficado patente que há muitas espécies nas quais o sexo não está sempre directamente relacionado com a transmissão de genes para as gerações seguintes.

Dizer que a sexualidade é fruto da evolução é diferente, portanto, que dizer que a sexualidade é exclusivamente orientada para a reprodução! Não troquemos a causa pelo efeito, que é aliás um erro em que frequentemente se cai quando se discute este tipo de conceitos. Sentimos prazer porque evoluímos nesse sentido, pois o prazer está relacionado com a estratégia reprodutiva humana. Não quero dizer com isto que devamos orientar o prazer sexual exclusivamente para a reprodução, coisa que algumas religiões, particularmente a católica, têm defendido ao preconizar a abstinência sexual.

Actualmente, a liberdade de escolha da mulher relativamente à concepção é, nas sociedades liberais, um direito fundamental. Os contraceptivos - principalmente a pílula - vieram ditar novas regras nas estratégias sexuais, e o que se tem visto é que quer mulheres, quer homens, têm investido noutros tipos de traços comportamentais. A mulher tem um papel mais determinante num mundo que era classicamente dominado por homens devido às imposições culturais da sociedade judaico-cristã. Podemos até dizer que a mulher de hoje, no mundo ocidental, se aproxima mais da mulher tribal ancestral em termos de poder dar largas à sua liberdade fora do círculo de controlo dos machos, pois nada nos leva a pensar que as tribos humanas primitivas fossem patriarcais. Hoje a mulher pode obter uma libertação relativa dos determinantes biológicos da sexualidade e exercer o seu direito de livre arbítrio. Talvez a incerteza da paternidade e a necessidade de manter o mesmo macho por perto tenham perdido alguma força nos comportamentos que favorecem a selecção natural, mas a mulher continua a dominar a estratégia sexual reprodutiva da sua espécie. O próprio homem terá adaptado ligeiramente as suas parcas estratégias. Preocupa-se mais com as questões higiénicas da sua imagem, com o parecer mais novo, mas principalmente com os aspectos mentais, dado que a intelectualidade é actualmente mais valorizada - é ela que dá melhores empregos com maiores rendimentos e notoriedade - e é hoje um caçador simbólico no seu emprego motivante, nos desportos que pratica, nos objectos de valor que colecciona. No entanto, tal como no Paleolítico, é o homem que continua a ser escolhido pela sua capacidade de transmitir bons genes, angariar recursos e prestar cuidados à prole, e é a mulher que continua a escolher, embora dê muitas vezes a ilusão da capacidade de escolha ao homem. E continuamos a apaixonar-nos. E a manter relacionamentos tendencialmente monogâmicos, e a casar e a ter filhos.

Hoje, nas sociedades liberais, podemos fazer o que quisermos com os nossos corpos. Mas isso não invalida que não sejamos fruto da nossa evolução, o que significa que continua a haver sempre uma maior probabilidade de expressar os comportamentos na razão em que eles evoluíram.

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